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Depois eu faço: conheça os procrastinadores


Se você é daqueles que deixam tudo para a última hora e só trabalham em cima do laço, leia esta reportagem já. Agora. Imediatamente

Por Eduardo Fernandes
Revista Super Interessante

Estudar ou ficar no MSN? Dar uma arrumada no quarto ou dormir mais 15 minutos? Talvez você não perceba, mas todo dia, a toda hora, temos que decidir o que fazer. Tirar o lixo para fora agora ou continuar vendo TV? Escrever de uma vez o trabalho final ou aproveitar o sol lá fora? Às vezes a decisão parece fácil, mas pode acabar em situações complicadas: dizer ao chefe que ainda não terminou o relatório ou inventar uma desculpa? Se na hora de decidir você costuma escolher a opção de deixar para depois, está entre os 95% das pessoas adeptas da procrastinação.
A palavra vem do latim procrastinare, que é a união do prefixo pro (encaminhar) e castinus (amanhã). Ou seja: enrolar. O Oxford Dictionary registra que ela teria sido publicada em inglês pela primeira vez por volta de 1548. O Brasil mal havia nascido e o termo já estava disseminado pelo mundo. Imagine a prática. Em Roma, Cícero já criticava Marco Antonio por gastar tempo em festas e deixar seu trabalho de imperador em segundo plano. Dizia: “In rebus gerendis tarditas et procrastinatio odiosa est”. Algo como: “Na conduta de quase todo relacionamento, lerdeza e procrastinação são coisas odiosas”.
Mas a procrastinação nunca foi tão presente na vida das pessoas quanto depois da invenção do computador – essa máquina de trabalho e estudo que também funciona como janela para o mundo e sala de bate-papo com os amigos. Os computadores de boa parte das empresas são controlados por proxys e firewalls, aplicativos que bloqueiam o acesso a determinados sites e ferramentas online. Em alguns ambientes de trabalho, até mesmo e-mails pessoais são proibidos, e há sistemas de controle de acesso pelos quais os funcionários do departamento de tecnologia podem saber exatamente como e quando você usa a internet. Isso se eles não estiverem ocupados respondendo mensagens no orkut ou MSN, é claro.
Procrastinação é bem diferente de preguiça. Enquanto preguiça é evitar trabalho, a primeira é ter muita coisa pra fazer e deixá-la para a última hora. “A procrastinação está relacionada a uma discrepância entre a intenção de trabalhar e a ação real de trabalho”, afirma Piers Steel, psicólogo da Universidade de Calgary, no Canadá, e autor de estudos sobre o assunto. “Procrastinadores têm uma intenção maior de trabalhar, mas só no começo do processo.” Imagine uma linha com dois extremos de produtividade. De um lado, Macunaíma, o acomodado personagem de Mário de Andrade, e de outro o hiperativo Leonardo da Vinci. Seria bem mais fácil encontrar procrastinadores no lado do renascentista. Aliás, ele próprio tinha um considerável portfólio de projetos deixados para depois e é reconhecido como um dos grandes enroladores da história. Diferentemente dos preguiçosos, os procrastinadores são viciados na sensação de prazo estourando. Deixam tudo para a última hora porque gostam da adrenalina da urgência. Como Rocky Balboa, só funcionam no último round.
Mas nem toda procrastinação acaba em vitória. Se os procrastinadores se defendem dizendo que curtem trabalhar sob pressão, os cientistas estão descobrindo que eles estão longe de se sentir felizes com esse hábito. Pesquisas indicam que 20% dos trabalhadores de escritório dos EUA sofrem patologicamente do problema. É o dobro do número de casos de depressão no mesmo ambiente. O psicólogo Piers Steel descobriu que a maioria dos enroladores convive mais com estresse, sentimento de culpa, baixa auto-estima e arrependimento por não terem trabalhado antes. O problema também acontece na sala de aula. Segundo a psicóloga Patricia Sommers, da Universidade do Texas, nos EUA, mais de 70% dos estudantes americanos deixam trabalho para depois – e 20% fazem isso de forma preocupante.
O sentimento de culpa aparece porque, sem conseguir controlar o próprio tempo, os procrastinadores sentem que o dia passa sem que tenham produzido o mínimo necessário. Assim, criam um caos pessoal que acaba em sentimentos depreciativos. Há casos de gente que se endivida por perder prazos de pagamentos, que fica desempregada ou passa por crises de auto-estima. Estudos da pesquisadora Fuschia Sirois vão ainda mais longe. Para ela, a procrastinação é um caso de saúde pública. Ela descobriu que aquele costume de deixar a ida ao médico para depois ou postergar a matrícula na academia causa problemas de saúde definitivos. Analisando 254 adultos, ela descobriu que os enroladores sofrem mais de estresse e até de resfriado. Pior: não verificam equipamentos de segurança em suas casas, automóveis e ambientes de trabalho, causando problemas para a família.
Por quê?
Se ela faz mal para a saúde e acaba com o nosso fim de semana, por que procrastinamos? Aí entram várias hipóteses. O ato de adiar pode estar relacionado à exigência de perfeição – pessoas perfeccionistas preferem tarefas desafiadoras às fáceis de realizar. “Não é à toa que os estudantes com mais capacidade procrastinam mais”, diz a psicóloga Patricia Sommers. Segundo ela, entre uma série de variáveis que favorecem a enrolação, o medo do fracasso é a líder da lista. “Aqueles que mais têm medo de errar são os que mais procrastinam.” Na hora de botar a mão na massa, acabam adiando a realização da tarefa por medo de errar. Também pode haver, na raiz da procrastinação, um pouco de auto-sabotagem. Se achando pouco merecedor dos benefícios que a tarefa poderia lhe render, o procrastinador inventa ou dá muito valor a obstáculos que o impedem de cair de cabeça no trabalho, acabando com a possibilidade de fazê-lo bem-feito.
Para o psicólogo Piers Steel, porém, o que mais explica a procrastinação é o fato de valorizarmos muito mais o momento presente que a imaginação de um suposto futuro. Tanto que é muito mais fácil adiar tarefas que exigem tempo (acabam com o nosso tempo presente) e que resultam em recompensas pouco claras para um futuro distante. Muitos de nós evitamos ao máximo uma tarefa porque a consideramos chata, sem sentido ou no mínimo desconectada dos nossos interesses pessoais. Assim, deixamos tudo para amanhã, nos entretendo com algo que cause um alívio mesmo que temporário. Por isso, um jeito de evitar a procrastinação é tornar as tarefas mais legais, se concentrando no que elas têm de bom e na recompensa que ela traz se for realizada antes (veja o quadro ao lado).
Outra razão para trabalharmos em cima do prazo pode ser justamente ele: o prazo. Num mundo cheio de datas-limite para entregar trabalhos, a procrastinação surge como uma espécie de luta entre o tempo psicológico, estabelecido pelos nossos desejos, e o social, marcado pelo relógio. Para o pesquisador Neil Fiore, autor do livro The Now Habit (“O Hábito do Agora”, que as editoras brasileiras estão procrastinando para lançar em português), o melhor jeito de acabar com a enrolação é acabar com os prazos. Fiore não acha que enrolar seja uma doença, mas um indicador de saúde mental. Mostraria que algo precisa ser mudado no trabalho e na vida da pessoa. Ele propõe que aprendamos a arte de desagendar. Quer dizer: fazer as tarefas imediatamente ou se livrar do excesso de compromissos, criando períodos regulares de descanso sem culpa. Para Fiore, nada seria mais improdutivo do que um workaholic. Quem precisa passar muito tempo no escritório mostra que não trabalha direito. Ou que vive preso a outro tipo de agenda: culpa, insegurança, medo de não ser aceito socialmente. O problema é que, mesmo sem prazos, a procrastinação segue. É que, hoje, convivemos com aquela que provavelmente é a maior ferramenta de procrastinação da história da humanidade: a internet.
Com a internet, ficou irresistível não enrolar. Pelo computador, temos acesso imediato e quase gratuito a uma indústria infinita de entretenimento. No meio do trabalho – muitas vezes impessoal – e à distância de um clique, somos chamados a sociabilizar. Temos todo um universo no qual podemos criar personagens, dar opiniões e conhecer pessoas. É nesse ambiente que surgem os programas de bate-papo, redes sociais (como o orkut), blogs e sites de entretenimento rápido, como o YouTube. Diante de tanta coisa legal, fica difícil trabalhar, né?
Além disso, estamos mudando nossa percepção de tempo e de urgência. Há pouco tempo, tolerávamos esperar uma semana para receber uma carta. Hoje, demorar um dia para responder um email parece uma eternidade. Será que a procrastinação e o sentimento de culpa derivado dela vão evoluir para níveis cada vez mais paranóicos? É melhor pensar nisso só amanhã.

Como não enrolar desde já
1. APRENDA A DIZER NÃO
Assumir um compromisso ou uma tarefa pretensiona, e deixar de cumpri-lo pode ser pior do que deixar suas limitações claras desde o início.
2. NÃO AGENDE, RESOLVA
JÁ A procrastinação se alimenta de tagarelismo mental. Quando você está enrolando, geralmente diz para si mesmo: “deveria estar trabalhando, sou um preguiçoso”. Melhor cortar esses pensamentos e iniciar a tarefa imediatamente.
3. CONCENTRE-SE
Toda vez que se desconcentrar, evite lutar contra si próprio. Se escapou da tarefa, reconheça o fato e dirija sua atenção novamente ao trabalho. No computador, desative a opção de ligar automaticamente programas como o MSN. Faça a tarefa e, quando tiver um tempo, fique uma meia hora batendo papo.
4. VEJA O LADO BOM
Mesmo tarefas chatas têm seu lado divertido – lavar a louça, por exemplo, envolve brincar com a água. Concentre-se no que a tarefa tem de legal, que, assim, fica mais fácil encará-la.
5. NÃO TENHA MEDO DE ERRARMuitos procrastinam porque exigem tanto de si próprios numa tarefa que acabam com medo de enfrentá-la. O melhor é ter consciência de suas limitações e habilidades para o trabalho.

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