By Edgar Olimpio de Souza, on 16-03-2010 02:34
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Published in : Música Clássica, Reportagem
Ele tem tipo de roqueiro, mas sua atividade profissional passa longe de guitarras, baixos e baterias. O seu trabalho não atrai cabeludos trajando jeans desbotados, camisetas estampadas e tênis sujos, mas um tipo de público que sai de casa na estica para ir ao teatro e costuma acomodar-se em poltronas estofadas. Estamos falando de Caetano Vilela, nome em ascensão no segmento lírico brasileiro e já com algum reconhecimento no Exterior. Nos últimos anos ele é responsável pela iluminação de um punhado de óperas produzidas no Brasil e, mais recentemente, tem acumulado ainda a função de diretor desse sofisticado gênero artístico.
A paixão pela ópera, aliás, despertou na adolescência. Tudo começou quando ouviu uma ária pela primeira vez aos 17 anos. Na época trabalhava como office-boy e, atraído por uma melodia de Lakmé, do compositor francês Léo Delibes, parou num sebo na Praça da Sé. “Fiquei entusiasmado por aquele tipo de música”, relembra ele. Não parou mais. Hoje, aos 41 anos, já ostenta mais de quarenta produções líricas na bagagem. Vilela, por exemplo, é figura onipresente no festejado Festival Amazonas de Ópera, que acontece anualmente na capital do Amazonas.
No começo, apenas concebia a luz dos espetáculos. De uns tempos para cá, decidiu dirigir e pegou gosto pela coisa. Na versão 2008 do festival, colecionou elogios e um prêmio Carlos Gomes de Música Erudita pela iluminação e direção da ópera Ça Ira, de Roger Waters, ex-líder da banda Pink Floyd. Na edição passada, concebeu a luz de Sansão e Dalila, dirigida pelo encenador espanhol Emilio Sagi, e iluminou e dirigiu a estréia brasileira de Os Troianos, de Berlioz.
No final do ano passado Vilela ficou instalado em um estúdio em Paris, para onde rumou para iluminar uma produção local do musical A Noviça Rebelde, no Théatre Du Châtelet. O convite partiu de Sagi, após a bem sucedida parceria em Manaus. A sintonia entre os dois foi a melhor possível. “A única coisa que pedi para ele no início foi para dispensarmos aqueles canhões de luz que seguem os cantores, que particularmente acho horrível, e ele topou”, conta. “Talvez seja o primeiro musical no mundo feito sem canhão.”
Durante a concorridíssima temporada do espetáculo, de 6 dezembro a 3 de janeiro, seu nome ganhou destaque na crítica local. Um site escreveu que sua luz remetia aos quadros do pintor Edward Hopper. “Vai entrar para o meu caderninho, ao lado de ´brasileiro expressionista´ e 'Rembrandt da luz´, como já se referiram a mim em montagens anteriores. Será que estão torcendo para eu virar pintor?”, brinca ele, que com tal vento a favor já articula novos projetos na Europa, inclusive com o próprio Sagi, numa turnê internacional da ópera Sansão e Dalila.
Caetano é genial. Na capital francesa, Vilela trabalhou feito louco, mas mal retornou a São Paulo e iniciou outra maratona. Há dois meses ele pilota a Cia. de Ópera Seca, fundada pelo controvertido diretor Gerald Thomas que, pela primeira vez, terceirizou o comando de seu grupo. Vilela vai assinar a direção e iluminação da comédia política Travesties, escrita pelo dramaturgo inglês Tom Stoppard, com pré-estréia no Festival de Teatro de Curitiba, neste mês, e temporada no Rio de Janeiro a partir de agosto. O próximo projeto com o grupo já está no forno. Trata-se de uma pocket opera intitulada Tetralogia, com atores, cantores e músicos desvendando o monumento operístico criado por Richard Wagner. Uma paixão, aliás, compartilhada também por Thomas.
“Estou retornando às origens, afirma ele, em alusão à sua trajetória teatral. Foram cinco anos no grupo Boi Voador, criado por Antunes Filho, três meses no Uzyna Ozona, do Zé Celso, e dois anos no CPT de Antunes Filho, período em que viajou pelo Brasil e Exterior e classificou de “experiência mágica”. Em sua profícua passagem pela Cia. Ópera Seca, na primeira vez, desdobrou-se em múltiplas funções. A sua versatilidade chamou a atenção de Thomas, que em recente entrevista derramou adjetivos ao novo piloto. “Não sei explicar como alguém vira gênio. Sei apenas que Caetano é genial.”
A sua veia artística pulsou no teatro. Desde criança, apesar da insistência do pai comerciante que queria vê-lo herdar a papelaria da família, intuiu que aquele tipo de vida pacata e de futuro previsível - trabalho, casamento, casa, filhos – não serviria para ele. Queria o mundo das artes. Foi então que pisou num palco, encantou-se pelo ofício e começou a viajar por aí. Não se limitou a conhecer só paisagens, cores e cheiros. Em alguns lugares por onde circulou, permaneceu um tempo para aprender línguas, hábitos e costumes nativos.
O resultado dessas experiências como cidadão do mundo é visível. Embora só tenha cursado até o ensino médio, hoje Vilela fala inglês, francês e arranha o idioma russo. Mas sua maior habilidade continua sendo a iluminação, que aprendeu por intuição e muita prática. “Quando penso na luz, não a reduzo a uma simples operação de botões e refletores. Trata-se de uma arte e não de técnica”, ensina. “No cinema, o iluminador é o fotógrafo. Uma história pode ser construída apenas com a luz.”
Non ducor, duco. Tal raciocínio ele transporta para as montagens que ilumina. Antes de clarear atores e cantores, primeiro busca descobrir o local da ação e capturar sua atmosfera. Depois, tenta desenhar uma narrativa com a luz. Sua intenção é a de que o público assimile o espetáculo por meio da iluminação. “É aquilo que denomino de dramaturgia da luz, uma expressão difícil de traduzir, mas suficiente para designar o significado do que faço”, revela. “No seu trabalho, um cenógrafo lida com o dado concreto. Já o iluminador mexe com o abstrato. Minha memória e meu raciocínio são bastante visuais."
Entusiasta dos festivais de óperas no coração da floresta, ressalta que Manaus entrou no mapa lírico do mundo depois do sucesso do filme Fitzcarraldo (1982), do cineasta alemão Werner Herzog – no longa, um homem obcecado sonha construir um teatro de ópera no meio da selva. “Agora, todo mundo quer participar da festa”, garante ele, que faz uma comparação entre o que se gasta na capital manauara e a produção de uma ópera no Exterior. “O evento todo é feito com apenas R$ 4,5 milhões e o custo médio de uma única ópera na Europa gira em torno de US$ 16 milhões.”
Antenado, Vilela não se satisfaz só com óperas. Freqüenta exposições, mostras de cinema, festivais de teatro, shows de música com incansável abnegação. Não há tempo feio. Tudo serve de inspiração para o seu ganha-pão. O iluminador e diretor cênico tem tatuado nas costas o lema Non ducor, duco, frase em latim que significa ´Não sou conduzido, conduzo´. “É uma das minhas quinze tatuagens. Quem não me conhece pensa que eu sou roqueiro.”
(Colaborou Edmilson de Souza)
Fonte: revista stravaganza
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